quarta-feira, 3 de outubro de 2007

As patentes e os dogmas


Quando se fala em medicamentos e China, duas notícias curiosas se repetem. Uma é o desrespeito aos direitos de propriedade intelectual no país, com uma pirataria recorde de remédios. Outra é a euforia das indústrias farmacêuticas com o mercado chinês, que fez do país um dos mais fervilhantes centros de pesquisa e produção do mundo. O paradoxo não indica que o Brasil deva seguir o exemplo chinês nessa matéria, mas recomenda menos ligeireza na análise de fatos como o recente licenciamento compulsório decretado pelo governo brasileiro para um remédio anti-aids.A China demonstra que o mercado farmacêutico e a discussão sobre propriedade intelectual não são assunto para se tratar por critérios abstratos, na base dos dogmas de livro-texto. O mercado farmacêutico é tipicamente falho; não se pode falar, nele, em ajustes ditados simplesmente pelo mecanismo de oferta e demanda. Há fatores, além da garantia de monopólio, a estimular a pesquisa científica e a inovação, a criação e instalação de laboratórios e a produção de remédios. Renda e mercado consumidor, por exemplo.As patentes, especialmente, impõem outra discussão, já que são um direito de monopólio, um golpe na concorrência, permitido aos inventores (ou a inovadores com espírito empresarial e inteligência para reclamar direitos sobre aperfeiçoamentos de invenções não patenteadas).Criada por liberais, para facilitar a disseminação do conhecimento e a produtividade econômica, a lógica da patente é garantir remuneração e monopólio na invenção, suficiente para recompensar devidamente os esforços do inventor. Mas sob condições e por tempo limitado, para que não se transforme em fator de atraso e ineficiência. Quando um país, como o Brasil, lança um programa com dinheiro público para compra de um medicamento, claramente amplia mercado para esse remédio - e as receitas que seu inventor previa ao iniciar pesquisas para fabricá-lo.O sucesso desse programa leva a um aumento da receita dos fabricantes, e, como já demonstrou nesse jornal o repórter Daniel Rittner, pode criar também um problema fiscal, já que a sobrevivência de pacientes antes condenados à morte gera despesas crescentes, agravadas caso os detentores do monopólio na venda dos remédios não sejam submetidos a algum tipo de controle. Nesses casos, como aconteceu no Brasil, não se deve falar em "demagogia", como querem alguns críticos, mas em responsabilidade fiscal. O que está em jogo não são só os US$ 30 milhões economizados com o licenciamento do Efavirenz, mas o custo do programa de combate à aids para a sociedade e a lógica que deve orientar todos os laboratórios privados nas negociações de preço com o consumidor forçado, o Estado.


Disponível em: http://www.inovacao.srv.br/noticias_de_patentes_detalhe.php?not=1

Por Sergio Leo, para Valor Econômico - 14/05/2007

Nenhum comentário: